terça-feira, 22 de março de 2016

Relativa Existência


Costumo frequentar uma pequena loja de materiais para casa, onde um casal de idosos são os proprietários. A primeira vez que fui lá, ambos, ainda que numa idade avançada, encontravam-se, talvez, no auge da sua senioridade: um fazendo piadinha com outro, mesmo que certamente casados há décadas. Ainda conseguiam extrair o melhor de si para o outro. Confesso que naquele dia conclui o que para mim era quase - eu digo quase porque nada é impossível - inatingível: ainda admirar o seu parceiro, convivendo literalmente dia e noite com ele. No café-da-manhã, no trabalho, na saúde, no trato com os clientes, na volta para casa, nas longas noites de sono. Então com o passar do tempo, esse admirável respeito mútuo continuou se mantendo vivo e forte nas suas almas, mas não nos seus corpos. Era possível testemunhar nitidamente a decadência na aparência de ambos, tendo o marido explicitamente experimentado, mais do que a esposa, todo o peso dos efeitos negativos da velhice. Antes andava sozinho, depois passou a mancar, depois a usar muletas, passou a andar de cadeira de rodas, até que um dia, mesmo com a esposa o acompanhando sempre, não apareceu mais na loja. Infelizmente ouvi dizer que ele estava internado, em condições não muito favoráveis, no CTI de um hospital qualquer. Então, nesta semana, tentei ir lá para comprar um benjamim, mas por três vezes bati com a cara na porta. A loja estava fechada, em pleno horário comercial. Senti uma tristeza no coração, pensando logo no pior. Ah, claro... Nossa relativa existência escancarando a sua inquestionável e absoluta autoridade sobre nós. Uma hora estamos aqui, em carne e osso e, de um momento para o outro, saímos de cena. Mas esse casal me ensinou algo que todos já sabem: enquanto estivermos aqui, que seja integralmente, diariamente, definitivamente: de corpo e alma.‪#‎euarenata‬

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