quinta-feira, 22 de outubro de 2015

50 Moletons de Narcisa


Narcisa era uma enrustida poetisa que morava em Ibiza. Um local exótico notoriamente conhecido por proporcionar noites calientes regadas a encontros pungentes entre VIPS e indecentes.  As praias, abarrotadas de gente atraente, deixavam Narcisa ainda mais carente, devido ao seu visual um tanto quanto deprimente.
 
Narcisa não tinha vaidade, por pura leviandade. Foi criada numa família rígida, e em consequência, se tornou frígida. Em Ibiza, longe do sistema de vigilância da sua família insana, sentiu uma urgente necessidade de romper a sua mente, para algo totalmente diferente. Queria deixar de usar aquele velho moletom cinza e parar de ser ranzinza. Precisava florear o seu assombroso coração com algum tipo de atração. Algo que, sem sombra de dúvida, não faltava em Ibiza.
 
Então Narcisa finalmente encarou-se no espelho e notou como a cor do seu cabelo encontrava-se um tanto descolorida. Radicalizou: tingiu de loiro platinado as suas pálidas negras madeixas. Passou um batom vermelho, alisou o cabelo. Narcisa não se reconhecia mais diante do espelho. Mas não se assustou. Pelo contrário: sorriu, pela primeira vez depois de muitos anos, apreciando a surpreendente sensação de ansiedade em relação ao inesperado. Como pode? Logo ela, onde tudo era tão moldado. Tão controlado.
 
“_Liberte-se, Narcisa!” finalmente exclamou uma voz interna no seu ouvido. E assim Narcisa rompeu as suas amarras imaginárias para desbravar o, até então, temido mundo. Queimou seus moletons. E de short jeans, salto alto e um top ousado, bem chamativo, Narcisa atravessou as ruas de Ibiza incorporando uma vida libertina que nunca imaginou, mas que sempre almejou – por baixo do seu atualmente torrado leque pálido de moletons da cor cinza.
 
Narcisa, até então introspectiva, virou narcisista. Num lugar que mais parecia um concurso de vaidades embaladas por beldades, Narcisa inexplicavelmente se encontrou, fora do seu eu interior. E viciou. Não em bebidas, nem drogas, nem beijos. Mas naquele tipo de olhar penetrante que os homens lançavam ao vê-la dançando, sem o menor pudor: no olhar de desejo. O mais honesto e tórrido tipo de cortejo.
 
Para uma poetisa de aparência transformada, mas de alma intacta, essa era a sua maior droga: a fantasia. Inspirada numa cena que não sabia ao certo se era verdade ou teoria. “_Teria Narcisa realmente vivido tudo isso?” – questionava sua voz interna, embevecida. Então Narcisa repara que ainda está usando o seu velho e opaco moletom cinza. Em Ibiza.

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